Por certo que já ouviram a expressão “O poeta é um fingidor”. Eu não sou poeta, apenas tenho o gosto pela escrita e a adaptação a um novo rascunho. De facto, “o Gil é um fingidor”. Finjo que não vejo. Se algumas pessoas tivessem noção das coisas que me apercebi e que fingi que não vi, teria uma espécie de boom de afastamentos. Mas como também não me quero tornar mesquinho, apenas deixo que tudo passe para um armário invisível. Até porque vão comigo para o túmulo encenações, flirts, chamadas de atenção ou palhaçadas, se quisermos concluir. Podem estar descansados/as!
Mas não resisto a uma pequena história. No ano passado, na Fundação de Serralves, fui admitido num curso de escrita criativa ministrado por Mário Claúdio. A sua cultura, capacidade criativa e versatilidade são inquestionáveis, ocupando justamente um trono que bem merece, como vulto incontornável da literatura portuguesa. Mas não há homens perfeitos, e no meio do conhecimento que me foi transmitido houve algo que me chamou particularmente à atenção. Numa aula, Mário Claudio pediu-nos um trabalho relacionado com o fogo e a Natureza. Não me lembro muito bem sobre o que versei mas, chegada a minha vez de ler o trabalho, o mesmo causou uma reacção no Prémio Pessoa que me surpreendeu totalmente.
“Sabe que nós temos uma espécie de sexto sentido. Dá para ver perfeitamente que você gosta de ficção científica e de banda desenhada”.
Acreditem que já experimentei ver vários filmes e decididamente não gosto de ficção científica. Se na televisão estiver a dar o Star Trek e “Na Roça com os Tachos”, eu prefiro o programa culinário do cabo-verdiano. Quanto à banda desenhada, é verdade que sou apreciador e de quando em vez lá me perco em Peninhas ou Cariocas. Estou longe, no entanto, de ser um apaixonado e um consumidor compulsivo.
Mas pensei. O que ganhava se o fosse a contrariar? Na minha optica, apenas um contorno da questão, ou seja, não vi os filmes apropriados mas a minha imaginação para aí deambulava. Ou que o Peninha e o Carioca não eram boas influências para a minha grande paixão. Assim, mentindo, optei por concordar com ele.
“Sim, é verdade. Como adivinhou?”
Mário Claúdio é um individuo extremamente simples e acessível. E justamente admirado. Na turma sucederam-se os elogios ao seu sexto sentido, ao seu tacto literário apurado, ao hino exacerbado ao pormenor. E eu, naquela cadeira, fingia que estava tudo bem. Que nunca me interessei por viagens ou futebol enquanto toda a gente falava de cenas de obras dele que eu jamais tinha lido. Gosto, e tantas e tantas vezes, de estar no controlo da situação sem que ninguém disso se aperceba.
A partir desse dia comecei a separar o meu caderno de aula. De um lado os ensinamentos recolhidos em relação a situações factuais; do outro as opiniões e os pensamentos de Mário Claudio. Se de um lado nada discuto, do outro coloco em causa. Porque noutros momentos das aulas não me convenceu em termos de perspicácia. Não que ponha em causa o seu perfil. Mas coloca uma visão da realidade e do mundo que não tem necessariamente de ser igual à minha. E dividi, dividi, dividi!
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