Terça-feira, 30 de Novembro de 2010
Memórias dos 30- Emanuel e os Bicos de Pato

Havia um cigano naquela escola. Não daqueles ciganos que metem medo, mas sim daqueles que não se excluíram da sociedade e conseguem passar por gente perfeitamente normal. Com sangue quente, é claro.

 

Era o Emanuel. Corria que se fartava. Aliás, éramos os dois extremamente rápidos. Naquela escola realizava-se uma pequena prova de atletismo, todos os anos. Ficávamos os dois sempre à frente, mas ele ganhava-me ano após ano. Farto de ser segundo, comecei a observar os seus movimentos: via que, no meu caso, tinha melhor ponta final, e que o meu grande erro era dar tudo no arranque, perdendo energias para o fim.

Estava no 2º ou no 3º ano e assim o fiz. Deixei-o tomar a dianteira, controlando-o à distância. Antes da recta final havia uma curva apertada, e sabia que aí o poderia ultrapassar. Dito e feito, tudo corria às mil maravilhas. Mas o “porco”, vendo-se a ultrapassar, empurrou-me contra a parede. Eu, estatelado, apenas o vi a correr até ao final, levantando os braços em sinal de vitória.

 

Com o corpo todo raspado, deu-me um ataque de fúria: peguei numa sapatilha e bati-lhe. Começamos os dois à pancada, mas nestas contas o meu azar veio à tona: um membro do clã, que vinha lançado para defender Emanuel, tropeçou e cravou os suspensórios em si mesmo! Resultado, veio a corja miúda toda lá do bairro, levei um enxerto de porrada em que me partiram a cana do nariz!

 

Esta história, todavia, teve um segundo capítulo. Para colocar água na fervura, a professora decidiu chamar o pai do Emanuel à escola. Como prova de boa-fé, o pai repreendeu o filho em público e ofereceu-me aquilo que seria um acto de boa fé.

 

“O Emanuel faz anos no sábado. Estás convidado”

 

Até à ocasião, estava toda a turma convidada menos eu. Mas lá acedi ao convite. Na festa comecei a comer queijo, que retirei dos bicos de pato, que coloquei de novo no local inicial. O pai de Emanuel não me perdoou.

 

“Não te dão educação em casa, mas dou-ta eu. Não sais daqui sem comeres os bicos de pato secos”

 

E lá estive eu, o resto da tarde, a comer os ditos bicos de pato(côdeas merdosas) para gozo dos meus colegas, que brincavam com uma tartaruga.

 

PS- Uma das minhas passagens predilectas vem do filme “Clube dos Poetas Mortos”:

“Façam da vossa vida extraordinária”.

Eu acrescento: “Mesmo sós, façam da vossa vida extraordinária”. Muitas vezes me dizem para ter cuidado com o que digo, com o que escrevo, pois posso passar por ridículo. Continuarei. Quem se ri não é lembrado.



publicado por Gil Nunes às 20:02
link do post | comentar | favorito

1 comentário:
De Jorge a 2 de Dezembro de 2010 às 00:49
Pois bem... de todas a que mais gostei foi esta. Continua...
Abraço!!!


Comentar post

mais sobre mim
pesquisar
 
Abril 2011
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2

3
4
5
6
7
8
9

10
11
12
13
14
15
16

17
19
20
21
22
23

24
25
26
27
28
29
30


posts recentes

Novo Blog

Gil e a Igreja

Memórias dos 30 - O Pesad...

Auto-brincadeiras: todos ...

Memórias dos 30- Emanuel ...

Memórias dos 30 - O Marte...

Memórias dos 30 - Estrela...

O besouro(150 dias até ao...

Polonia -dia 1

A vodka é a principal cau...

arquivos

Abril 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Maio 2009

Abril 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Agosto 2008

Julho 2008

Junho 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Fevereiro 2008

Janeiro 2008

Dezembro 2007

Agosto 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Dezembro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

Dezembro 2005

Novembro 2005

Outubro 2005

Setembro 2005

Agosto 2005

Julho 2005

Junho 2005

Maio 2005

Abril 2005

Março 2005

Fevereiro 2005

Janeiro 2005

Junho 2004

tags

todas as tags

links
subscrever feeds
Em destaque no SAPO Blogs
pub