Eu não me identifico com nenhuma religião. Preocupo-me sim, em ser um gajo porreiro. Porque as religiões não fazem sentido nenhum. “João, sempre foste honrado, digno e sério. Pena não teres sido baptizado. O Inferno espera-te”. Francamente…
Eu já pensava isto nas minhas primeiras idas à catequese. Era ao sábado de manhã e, se querem que vos diga, teria ficado bem melhor a saborear a cama. Valia pelo algum convívio, e jogos didácticos que fazíamos no jardim da Igreja de vez em quando. Mas só de vez em quando. De resto, era um chorrilho de disparates. Ainda bem que a Bíblia foi apenas escrita 30 anos depois dos eventos se terem passado: era a mesma coisa que eu agora me lembrar da cor da haste dos óculos do Padre Martins, ou então da blusa da Joaninha. Duplo francamente…
Era uma criança bastante chorona, diga-se de passagem, e não raras vezes saia da catequese de rastos por algum comentário mais infeliz que a dita comandita eclesiástica me mandava. Mas pelo menos ajudou-me a ser farsola.
“Olhe, tenho de me ir embora mais cedo porque os meus pais vão para a aldeia e estão à minha espera”.
Criança não mente, e lá ia eu todo contente a caminho de casa, sem qualquer problema. Lembro-me que, numa dessas vezes em que aldrabei(e não me arrependo) quase que fui atropelado por uma carrinha de caixa aberta. Aí fiquei angustiado: se calhar foi castigo divino. Eu acho que foi mais obra do Espírito Santo do Acaso…
Por falar em aldeia, uma vez puseram-me a andar com um dardo na mão numa procissão. Sim, eu chamo-lhe dardo. Pelo menos na minha imaginação sentia-me um Jan Zelenzy. Para os demais, era o destaque da procissão. Lembro-me que nesse dia parti os meus dentes da frente e quem me socorreu foi a minha falecida Tia Alice. Sem grande contacto com ela, esta é a recordação mais presente que dela tenho.
Em criança, sempre tive imensos carrinhos. Não que eu gostasse de carros – não sei mudar um pneu – mas, por ser rapaz, recebia muitos. Eu acho que quando se gosta de alguma coisa, tudo consegue ser canalizado para essa coisa. Eu adoro futebol! Aliás, 30 anos volvidos, podem-me dizer que eu tenho imenso jeito para escrever, para inventar histórias, para línguas, o que for. O balanço está feito: a coisa que eu mais gosto na vida é de futebol!
Voltemos à história. O campo era geralmente improvisado numa alcatifa: dois livros de lombada fina a servir de baliza; um berlinde a fazer de bola; e os respectivos jogadores, que obedeciam a regras específicas:
- Os carros de competição eram guarda-redes;
- Os de carroçaria grande iam para a ala;
- Tractores como centrais;
- Os de cor escura eram destros, os de cor clara esquerdinos;
- As carrinhas de caixa aberta avançados;
- Os utilitários médios;
E assim se construíam as equipas. Só eu é que jogava, é certo, mas posso-vos dizer que me chegava a perder naquela fantasia. Acaba por se tornar interessante na medida em que tentava fazer do inventado real, cumprindo as regras que tinha estabelecido. Apesar das voltas que a minha cabeça dava, conseguia ter alguns momentos de prazer. (Uma vez estava tão mergulhado naquilo, que estraguei uma tarte que a minha tia tinha acabado de fazer. Deu choradeira, eu sei, mas também tomavam-me por maluco se eu explicasse a razão. Aguentei a bronca)
Outra das brincadeiras que inventei era feita no terraço, com uma bola vermelha. Para se aceder ao terraço tinha(e tem) de se atravessar uma porta de correr. Mais uma baliza! Como guarda-redes colocava um estendal de plástico. Com ambos os pés tentava marcar golo, com um extra – bónus: se conseguisse colocar a bola no espaço compreendido entre a máquina de lavar e a parede valia 2 pontos! O vizinho de cima, Moreira, observava-me por diversas vezes!
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