Terça-feira, 13 de Outubro de 2009
Os argentinos
Procurar o conflito não é mau. Às vezes é o segredo da solidez de várias relações. Mas há pessoas que o procuram por necessidade, outras que o evitam. Uma questão de feitio e das características de cada um, que não quer dizer seja o que for. Por outras palavras uma pessoa conflituosa pode ser excelente, ou uma pacata pode ser traiçoeira. Para mim as várias definições estão interligadas mas não estão relacionadas, vivem em universos diferentes.
Às pessoas que procuram constantemente o conflito costumo chamar de “argentinos”. Se repararem os argentinos conquistam muita coisa, sobretudo no desporto, à custa das suas emoções e da garra que empregam nos seus combates. Procuram o conflito para dele tirarem partido, pois têm aí um ponto forte.
Eu aprendi a lidar com os argentinos através do meu vizinho de baixo. Era miúdo e punha a música mais alto e lá vinha ele bater à porta e reclamar; tinha o azar de partir um prato e lá vinha mais um discurso do sossego e da tranquilidade; e eu lá reagia, tentando-me defender da maneira que podia sem me chatear muito. Os conflitos sucediam-se em catadupa e mais um bocadinho estava enclausurado, a navegar à custa dos meus azares.
Às tantas dei por mim a pensar. Sim, porque eu acho que a solução para os nossos problemas pode estar ali ao lado. Fiz uma experiência, aliás duas! Para me testar coloquei o “Atom Bride Theme”, dos Blasted Mechanism, nas alturas na aparelhagem lá de casa. Eram 9 da noite e 5 minutos volvidos lá estava o dito cujo.
“Já estou farto de lhe dizer qualquer dia chamo a polícia e blá, blá, blá”
“Pois….sim….. tem razão” disse eu tentando demonstrar segurança com o cuidado de não vacilar nas minhas palavras.
Três dias depois foi mais uma injecção musical, desta vez de “Nookie” dos Limp Bizkit. Uma barulheira infernal e cinco minutos volvidos…nada! Mais uma faixa do cd… e o sossego é a nota dominante! E eu tinha a certeza que ele estava em casa, pois vi-o mais tarde na janela a fumar!
Podia ter sido um dia como outro qualquer mas aprendeu-se algo. Eu pelo menos evoluí à custa das minhas experiências. Há milhares de argentinos à nossa volta. Se não queremos conflitos apenas há que compreende-los e lidar com eles em nosso benefício. Agora, acreditem, eu não gosto nada de conflitos, porque acho que se virmos bem a duração da nossa vida, e posta a probabilidade de que a qualquer momento podemos levar com um vaso na cabeça e ir desta para melhor, não me apetece nada passar estas férias a discutir!
Sexta-feira, 7 de Agosto de 2009
A bicicleta de Klodzko
Não se preocupem que não estou aqui para falar da Polónia. Calhou de ser em Klodzko, que por acaso também faz parte. Trata-se de uma bonita cidade medieval do oeste, pitorescamente enclausurada num castelo de muralhas muito altas. Faz lembrar aquele filme de animação do elefante que transporta uma flor que tem uma sociedade de pequenos seres a viver dentro dela.
Naquela tarde de Março chovia torrencialmente. Ainda bem que não tinha familiares por perto, porque quando começa a chover e estamos perto de alguém todos nos tornámos crianças frágeis e vulneráveis as vicissitudes da pneumonia. Mas o mais importante até que nem era a chuva: corria uma pequena aragem que, sem ser fria, nos trazia um aroma tropical esquecido nos movimentos de rotação da Terra.
Por todos os cantos bicicletas encostadas sem receio da mão alheia. Sem dúvida o elemento que faltava para eu desfrutar daquele momento em pleno. Ou cria-lo. Julgo que ninguém pode ser condenado por “semi – roubos”. Em Portugal costumamos simplificar e chamar de “pedir emprestado”.
Sem ninguém ver, peguei numa bicicleta e desci a encosta a toda a velocidade. Sempre tinha a desculpa que me tinha enganado mas o verdadeiro dono, naquela altura, devia estar muito longe. De sentidos bem abertos, absorvi toda aquela aragem num momento sublime de descida em que as latitudes se misturaram naquela pequena cidade do interior da Polónia. E o piso escorregadio nem foi problema!
Depois subi e voltei a coloca-la no sítio. Ninguém reparou. Absorvendo o resto dos encantos da chuva deliciei-me com fina iguaria italiana enquanto olhava para as revistas de automóveis do Bruno Marques tentando perceber algo.
Terça-feira, 26 de Agosto de 2008
O meu primeiro trabalho
Quando era pequeno tive o meu primeiro trabalho. Por várias circunstâncias era eu quem tinha de ficar responsável pela gelataria de um tio, na praia. Pequeno, logo comecei a pensar numa forma de rentabilizar o negócio.
Na altura, com 8 ou 9 anos, praticava ginástica e tinha até uma agilidade superior à dos meninos da minha idade. Ao longo dos tempos, fiz um apanhado dos gelados mais vendidos. Eram os “Calippos”, os “Cornettos” e os “Epás”, cujas caixas coloquei no fundo da arca.
Era de baixa estatura e isso até abrilhantava o espectáculo. Ao pedido respondia com vários movimentos e da arca saia de forma estética, tentando sempre pisar o solo como os ginastas profissionais. Com o passar do tempo, fui ganhando cada vez mais clientes, que já não vinham só comprar uns gelados como também apreciar o meu pequeno espectáculo.
E os que usavam aquele pequeno iglo para se abastecerem de gelados já sabiam de cor e salteado quais os gelados do fundo da arca. Naquela altura, lembro-me, estavam a começar a entrar em circulação as moedas de 200 escudos. Fiquei muito feliz porque numa dessas tardes recebi uma como gorjeta.
Nesses dias, e tendo um vício que não tenho agora, lia muito. À saída de casa, gostava de pegar em livros de autores que sabia escreverem muito bem, para recolher alguns elementos que poderiam ser úteis. Este foi um conselho de um cliente que se tornou amigo e que me deu alguns conselhos literários, depois de eu lhe ter mostrado algumas redacções. Lembro-me de ter lido Agatha Christie, Somerset Maugham e Richard Swift. Sempre gostei da literatura do Reino Unido!