E Deus criou o melão. Mas enganou-se. Pois é hoje voltam os grandes pensamentos sobre alimentação. Com relevância, mais do que merecida, para o melão. É o meu fruto predilecto. O seu sabor mescla-se com o trabalho que dá para dele nos termos de servir. Invisivelmente é uma mensagem encriptada que Deus nos pretende transmitir: o que é bom dá trabalho. Temos de o abrir, cortar e depois guardar religiosamente para nova utilização. Livra!
Que bom seria que o melão pudesse trocar de formato com a maçã. No supermercado, pediriamos um quilo de melão “starking” ou “reineta”, e poderíamos desfrutar do seu sabor com mais regularidade. Afinal o que calha mesmo bem após um robalo assado é um bocado de melão. Mas, naquele momento em que estamos a ver a SIC Radical, ter que ir ao firgorifico cortar uma fatia e arrumar o resto não dá jeito nenhum. O melão em calda já veio facilitar a tarefa, mas a artificialidade com que é tratado tira-lhe todo o carisma. Sim, um melão precisa de carisma.
Por isso, Deus, te escrevo. Anda lá que eu até sou bom rapaz e não sou como aquele tipo que anda para aí a falar do Abel e do Caim a chamar-te nomes impróprios. Se concordares, eu amanhã acordo e monta-se o cenário à minha maneira: é só trocar o melão pela maçã, mantendo-se os formatos. O que Te peço não é nada de mais. Confio nos teus poderes para apagares da mente dos homens os pseudo-ruidos sensuais das dentadas de maça, as relações com as manhãs Sveltesse e toda a alegoria do pecado e da carne que lhe está associado. Gosto muito dessas mensagens mas podemos estabelecer novas relações. Aliás, até se podem manter. Que linda mulher apareceria junto de nós dando uma vigorosa e ruidosa dentada num pedaço estaladiço de melão. Como vês, tudo se pode manter. Menos o sabor.
Eu já percebi. Tudo o que dá prazer requere trabalho. Para isso já inventaste as couves e as alfaces, bem como o queijo camembert e o vinho. Agradeço-Te por isso mas deixa o melão em paz. E não entendas esta carta como uma reclamação. Encaixa-a apenas na caixa de sugestões e lembra-te que vai de um amigo que te agradece todos os dias.
O Zé, eu não gosto dos teus livros, pá. Por isso também não os leio. Acho que há escritores muito melhores que tu e se fosse por mim nem tinhas recebido o Nobel. Seja como for és um tipo inteligente. Eu não te chamo português inteligente porque acho que tu não ias gostar. Chamo-te antes aquele tipo que se está a tentar eternizar a toda a força. E, diga-se de passagem, estás a conseguir!
Sabes, eu acho que Deus existe e sei que tu também concordas comigo. E eu nem sequer sou religioso. Nesta história da Bíblia até te dou razão. De facto, aquele livro foi escrito por homens errantes, de visão distorcida, com amores e ódios como qualquer um de nós. E pintaram Deus à sua imagem, tal como ele nos pintou supostamente à dele. Dizes tu que Deus “é vingativo, rancoroso e má pessoa”. Eu até que podia apostar que estavas a falar de um político. Mas não. Deixa lá!
Ao falar de ti, lembro-me das “materioskas”. É preciso tirar uma atrás da outra até chegarmos onde queremos. Mas, como sabes, eu nunca gostei muito desse tipo de brincadeiras. Portanto vou queimar as etapas. Pronto, já está. Sofres de “Síndrome de Galileu”. Conheces, não conheces? É aquele tipo que disse que a Terra afinal girava à volta do Sol e blá, blá, blá. Mas o pior é que toda a gente ainda fala dele hoje em dia, quando andamos aqui a ver se resolvemos o problema do aquecimento global e da crise internacional. Essa é que é essa!
O teu problema não é Deus, é o Cristiano Ronaldo. Quer dizer andaste anos a fio a escrever livros, a desfiar as pestanas e chega aquele tipo da Madeira, dá dois chutos numa bola e será lembrado por toda a Humanidade? Valha-me Deus. Mas eu acho que Ele te vai compreender e perdoar. E depois, na eternidade que espero que chegues primeiro do que eu, vê lá se arranjas umas horas para falar comigo, porque eu até gostava de ter conhecer.
Deixa-te mas é dessas ideologias de que nos devíamos anexar à Espanha, que os “panchitos” é que percebem do assunto, que a nossa nacionalidade não tem sentido. Olha, eu prefiro a tua nacionalidade sem sentido do que a minha visão de constantes movimentos bélicos independentistas. E depois sabes como as pessoas não se entendem, nem a martelo. Todos aos tiros é que não. Tu às vezes também és vingativo, rancoroso e má pessoa. Mas olha, escreve uma coisa mais alegre. Abraça-te às árvores, mostra como o mundo pode ser bonito, toca nas suas virtudes. Havia um francês que dizia que o mundo era belo quando se brincava com ele. E de resto, o pá, não me chateies, que eu acho que até sou boa pessoa!