É daqueles actos que imediatamente me vêm à mente mal penso em algo de amaricado. O gesto de se comer um iogurte sólido é algo que não se coaduna com os padrões mínimos de robustez masculina. Escalpelizando, trata-se de um pequeno copo de plástico com um derivado de leite no seu interior, apanascadamente condimentado com sabores de frutas. E o gesto da colher, no auge da sua delicadeza, é de um profundo limbo de indefinição sexual. Um dia, quando tiver um filho, vou ter de lhe dar a reprimenda:
“Que lindo menino, a comer o seu iogurtezinho!!! Faz-te homem, pá, come queijo!”
Geralmente ninguém come um iogurte porque tem fome. Come porque há sempre algo de efeminado a fazer durante o dia ou, no caso das mulheres, porque pensam que confere uma elegância especial e dá defesas ao organismo. Para mim os “Bifidus Activus” são uma das maiores ilusões da história. Vejam o caso do Dom Afonso Henriques, que desancou nos mouros e nos espanhóis até mais não e perguntem-lhe se ele alguma vez pegou num iogurte sólido.
Mas, voltando às mulheres, todas elas pensam que comer um iogurte fica bem na fotografia. E falo do consumo diário, nem sequer me refiro aqueles anúncios em que aparece uma sujeita toda muito flexível a desfrutar da manhã ao sabor de pedaços de pêssego ou tutti – frutti.
Já na sua composição, o iogurte é um ponto intermediário entre o leite e o queijo. Toda a gente que vai do Porto a Lisboa pára em Antuã para fazer um chichizinho e para comer uma sandocha. Na minha opinião, o iogurte nem dignidade tem para ser uma estação de serviço da Mealhada. Porque os leitões apreciam-se, trincham-se e devoram-se à dentada, hoje ou ao longo dos tempos.
O iogurte é o alimento mais hermafrodita de todos os tempos. Uma espécie de Caster Semenya que, apesar de vencedor, se coloca em causa a sua feminilidade. É algo que carece de explicação científica, tem testerona a mais.
É um “se”, uma “espécie de”, “qualquer coisa como”. Melhor do que eu, Fernando Pessoa refere-se indirectamente ao iogurte nos célebres versos de “Esta Velha Angústia”
“Esta velha angustia,
Esta angustia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pasadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.
Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer –
Júpiter, Jeová, a Humanidade –
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
Estala, coração de vidro pintado!”
Neste rol de críticas, escapa, ainda de forma ligeira, o iogurte líquido. Porque é bebível, até dá um certo estilo e pode ser refrescante. Agora contra o sólido não me vou conter. Estala coração de vidro partido! Desaparece sua mistura de Borat e Dolly Parton! Vorskla Poltrava e Qarabag no mesmo Estádio! Vade Retro!