Segunda-feira, 5 de Outubro de 2009
O hiato evolutivo do prego em pão
Mais do que um bom petisco, o prego em pão faz parte da enciclopédia da gastronomia portuguesa. É saboroso, económico e é sempre uma boa opção para ser comido enquanto se conversa com amigos. Digamos que tem a funcionalidade de ficar bem no meio de risadas e, ao mesmo, satisfazer com seriedade os anseios do nosso estômago.
O grande problema do prego em pão surge no momento da dentada. Um bife menos tenro provoca o problema da dentada interminável, ou por outras palavras, o arrastamento do bife em todo o seu comprimento. Quando isso acontece ficamos com o pão e com o queijo para finalizar o petisco, o que necessariamente cria uma situação de orfandade.
Nesta equação podemos traçar dois cenários de resolução: ou pugnamos por uma nova consciência cívica de bife mais tenro ou então fazemos os cálculos de modo a que a dentada seja absolutamente implacável. Mas também aqui surge o terceiro problema: a questão do hambúrguer em pão.
Meus amigos, a visão não é tradicionalista. É realista. Prego em pão demasiado tenro é como perdemos o Alentejo para os espanhóis. Prego português que se preze é robusto demais para uns dentinhos de andorinha. Só é mordido por dentes de homens e moldado no travo aveludado da boca pela frescura da cerveja. Portanto, a grande questão surge em se criar um tipo de carne suficientemente robusta mas ao mesmo tempo capaz de ser trincada com relativa facilidade. Acreditem que este tipo de questão se coloca a várias áreas do saber sem ainda resposta plausível. Contudo, não queremos pregos desvirtuados: prego é prego, hambúrguer é para larilas!
Outro dos grandes problemas que se coloca à rijeza do bife prende-se com a quantidade de carne que colocamos na boca. Os problemas podem surgir no acto do deglutir, assim como também não é nada agradável estarmos a conversar com uma máquina de lavar na boca. Há casos, conta-se, em que houve mesmo quem cuspisse para o prato ou, mais grave, na casa – de – banho.
Em prol de todos, e sobretudo porque hoje se comemora a Implantação da Republica, espero que possamos reflectir em torno deste hiato evolutivo. Podem contar comigo para um prego em pão com menos dentadas, menos arrastamento e mais saboroso. Por todos, por Portugal!
Sexta-feira, 2 de Outubro de 2009
A hegemonia da cotonete
Volto hoje ao vosso convívio diário para vos falar de algo que me atormenta: a hegemonia das cotonetes no sistema auricular de limpeza.
É com consternação que vejo que fomos capazes de evoluir da vassoura para o aspirador. Os nossos rudimentares regadores foram substituídos por eficazes mangueiras, capazes de verdejar o recanto mais ínfimo do nosso jardim; aos poucos o “Sonasol” foi desaparecendo, em detrimento do “Calgonit” que pauta o ritmo das nossas máquinas de lavar.
Ao invés, as nossas belas orelhas continuam a ser limpas com um bocado de algodão. O sistema não é prático, até porque o cerúmen é empurrado para dentro, algo que não é aconselhável. Os médicos insistem que a cotonete não é o sistema mais indicado, mas o que é facto é que se tornou o verdadeiro “José Sócrates” da limpeza corporal. Usamos cotonete não porque gostamos, mas sim porque não temos alternativa melhor.
Sinto um certo desconforto ao ver que fomos capazes de navegar no caminho das escovas de dentes eléctricas. E aqui impunha-se um referendo: prefere ter mau hálito e ouvir bem; ou ouvir por um funil e ter uma dentadura à Paulo Portas? Eu, por mim, até que prefiro ter mau hálito. Não sendo muito beijoqueiro, é uma bela forma de me defender contra eventuais intrusos.
Penso que esta e outras escolhas devem ser feitas no momento antecedente à evolução. Enquanto isso continuo a fazer malabarismos com a cotonete: não a quero empurrar, quero é fazer um movimento invertido em que o meu cerúmen, em ricochete, é projectado para o exterior. Acreditem que não é fácil, mas para já tem resultado bem.