Sábado, 17 de Outubro de 2009
Carta de solidariedade ao meu sofá
É a divisão da minha casa que menos uso dou. Ou melhor, é a divisão mais prática, prostituta, descolorida que uma casa pode ter. Qual é o interesse de uma casa –de-banho para além da sua dimensão de limpeza e asseio?
Fazem-me confusão todos aqueles que vão ler o jornal para a casa-de-banho. Calças em baixo surge toda uma componente reflexiva que induz o pensamento e o julgamento crítico. O sofá, estático na sala, sente-se ofendido e amarrado. Ele, que é amplo e confortável, apenas se pode contentar com “As Tardes da Júlia” ou o “Preço Certo”. Agora, aquele pequeno círculo de mármore tem todo o tempo para ficar a par do que se passa do outro lado do mundo; de saber as cotações da bolsa e mesmo de descobrir alguns dos segredos da Herta Muller, o novo Prémio Nobel da Literatura.
Intriga-me. As pessoas são capazes de passar horas no IKEA, fora a posterior discussão, a ver qual o sofá que melhor se enquadra às definições da sala. De ver o seu posicionamento, a sua colocação em frente à televisão e de se estudar a sua funcionalidade correlativa com todas as outras divisões da sala. Pois bem, já dizem os holandeses que sem estereótipos seriamos todos mais felizes. Se fosse a eles substituía-os por 4 ou 5 sanitas bem redondas mesmo em frente ao LCD. Que sala bonita! A Herta Muller agradeceria.
Eu mantenho-me, e manter-me-ei, fiel à tradicional definição do sofá. Se tenho de passar tempo em casa que seja lá sentado. Na casa-de-banho limito-me ao “stop and go”. Isto claro mantendo os meus padrões de asseio e de estética. Mas digo-vos: se pintassem a parede da minha casa-de-banho de laranja eu nem sequer me iria chatear. Para mim será sempre uma divisão sem cor, que não merece a profundidade dos meus pensamentos. Tenho dito!
Sexta-feira, 2 de Outubro de 2009
A hegemonia da cotonete
Volto hoje ao vosso convívio diário para vos falar de algo que me atormenta: a hegemonia das cotonetes no sistema auricular de limpeza.
É com consternação que vejo que fomos capazes de evoluir da vassoura para o aspirador. Os nossos rudimentares regadores foram substituídos por eficazes mangueiras, capazes de verdejar o recanto mais ínfimo do nosso jardim; aos poucos o “Sonasol” foi desaparecendo, em detrimento do “Calgonit” que pauta o ritmo das nossas máquinas de lavar.
Ao invés, as nossas belas orelhas continuam a ser limpas com um bocado de algodão. O sistema não é prático, até porque o cerúmen é empurrado para dentro, algo que não é aconselhável. Os médicos insistem que a cotonete não é o sistema mais indicado, mas o que é facto é que se tornou o verdadeiro “José Sócrates” da limpeza corporal. Usamos cotonete não porque gostamos, mas sim porque não temos alternativa melhor.
Sinto um certo desconforto ao ver que fomos capazes de navegar no caminho das escovas de dentes eléctricas. E aqui impunha-se um referendo: prefere ter mau hálito e ouvir bem; ou ouvir por um funil e ter uma dentadura à Paulo Portas? Eu, por mim, até que prefiro ter mau hálito. Não sendo muito beijoqueiro, é uma bela forma de me defender contra eventuais intrusos.
Penso que esta e outras escolhas devem ser feitas no momento antecedente à evolução. Enquanto isso continuo a fazer malabarismos com a cotonete: não a quero empurrar, quero é fazer um movimento invertido em que o meu cerúmen, em ricochete, é projectado para o exterior. Acreditem que não é fácil, mas para já tem resultado bem.