Volto hoje ao vosso convívio diário para vos falar de algo que me atormenta: a hegemonia das cotonetes no sistema auricular de limpeza.
É com consternação que vejo que fomos capazes de evoluir da vassoura para o aspirador. Os nossos rudimentares regadores foram substituídos por eficazes mangueiras, capazes de verdejar o recanto mais ínfimo do nosso jardim; aos poucos o “Sonasol” foi desaparecendo, em detrimento do “Calgonit” que pauta o ritmo das nossas máquinas de lavar.
Ao invés, as nossas belas orelhas continuam a ser limpas com um bocado de algodão. O sistema não é prático, até porque o cerúmen é empurrado para dentro, algo que não é aconselhável. Os médicos insistem que a cotonete não é o sistema mais indicado, mas o que é facto é que se tornou o verdadeiro “José Sócrates” da limpeza corporal. Usamos cotonete não porque gostamos, mas sim porque não temos alternativa melhor.
Sinto um certo desconforto ao ver que fomos capazes de navegar no caminho das escovas de dentes eléctricas. E aqui impunha-se um referendo: prefere ter mau hálito e ouvir bem; ou ouvir por um funil e ter uma dentadura à Paulo Portas? Eu, por mim, até que prefiro ter mau hálito. Não sendo muito beijoqueiro, é uma bela forma de me defender contra eventuais intrusos.
Penso que esta e outras escolhas devem ser feitas no momento antecedente à evolução. Enquanto isso continuo a fazer malabarismos com a cotonete: não a quero empurrar, quero é fazer um movimento invertido em que o meu cerúmen, em ricochete, é projectado para o exterior. Acreditem que não é fácil, mas para já tem resultado bem.
É um tema muito complexo, cujas conclusões são sempre muito arriscadas. Falar de nascimento ou de morte, no fundo as duas únicas verdades absolutas do conceito de vida, não é tarefa fácil.
A minha opinião vai um pouco de encontro à definição apresentando, estando as temáticas do “aborto” e da “eutanásia” umbilicalmente ligadas. Se por um lado entendo que a ninguém deve ser privado o direito de nascer, também entendo que todos têm o direito de definirem a sua morte como entenderem, num raciocínio que considero possuir sintonia.
É certo que todos vamos morrer, e na maior parte dos casos devido a patologias incuráveis. Se o paciente entende que não estão reunidas as condições para um estilo de vida condigno, pode ter todo o direito de colocar um termo à sua vida através de processos médicos assistidos. Todavia, sou um profundo defensor do investimento ao nível dos cuidados paliativos. Minorar ou eliminar o sofrimento físico são questões essenciais para a manutenção da qualidade de vida, tornando-se impreterível desenvolver todos os esforços nesse sentido. Entendo que à medida que os cuidados paliativos forem incrementados, a eutanásia diminuirá mas até porque acredito que a decisão de por cobro à vida resulta de um profundo desespero.
Seja como for eutanásia e suicídio são matérias que advêm dos direitos de cada um e não podem ser impedidos. No entanto, como seres humanos, devemos pugnar para que ninguém enverede por essa prática, até porque a vida, na minha perspectiva, tem muito mais coisas positivas que negativas!
É claro que entendo que a eutanásia deverá obedecer a um processo rigoroso e conclusivo, até porque não se pretende democratizar a prática com facilidade e leviandade. Refiro-me a doenças terminais, a estados de desespero total, a situações extremas. Não ao namorado que perdeu a namorada e que se vai matar porque pensa que não há mais mulheres no mundo! Isso é que não!
Para finalizar, e da mesma forma que esboço os meus argumentos em relação à eutanásia, não há também motivos plausíveis que impeçam uma pessoa de viver! Conceitos interligados, pugnarei por uma sociedade que proíba o aborto, dando a todos a fantástica experiência que é viver todos os segundos!