Sexta-feira, 13 de Novembro de 2009
Tripoli, 1995
Ainda não tenho idade para calcorrear as ruas, como vim a fazer anos depois em muitos outros locais do mundo. Aqui cheguei depois de uma viagem muito arenosa, com pouco verdura, que não consigo descrever como bonita. Há sítios do planeta que por muito que nos esforcemos não temos a capacidade de os transformar. Apenas na cultura com o homem, errante, a dizer o que a Natureza silencia.
A praça está cheia de homens de pijamas brancos, que na minha inocência penso ser a moda cá da zona. A sineta toca cinco vezes por dia e os ditos cujos vão até uns prédios esquisitos levantar o rabiote. Antes, porém, lavam os pés com muito vigor. Fazem uma fila e os seguintes lavam-se na água suja do parceiro anterior. Pouco interessa. Dizem que é purificada.
Está sol. A praia está deserta e alguém escreveu o teu nome em toda a parte. A bordo das palavras guiemo-nos até Lisboa, cidade de paredes pintadas com dizeres revolucionários sem sentido. As vendedeiras fazem o seu trabalho no mercado, com os pregões a captarem clientes que se esgrimam pelo melhor pedaço de fruta, carne suculenta ou simplesmente para queimar um pouco mais a pele enquanto se comem umas tâmaras.
Não fosse eu a minha figura futura e teria de haver aqui história, episódio, segmento!
“Eu calço 39 patroa. Deixe-me ver se estes servem”
Ahmed(nome ficticio) leva à boca as dentaduras colocadas no mercado. Quer ficar bonito para o encontro com Al – Jalula. Aquele modelo não serve. Voltando a pousar, Ahmed dá o toque a Abdullah. Afinal ele é que calça o 40 e até tem os molares rebaixados. E Abdullah experimenta. Serve!
Terça-feira, 12 de Agosto de 2008
Sons do Magrebe
É a verdadeira música cebola. Para quem come pela primeira vez pode ser repugnante. Mas quem continua, sabe que uma boa salada não pode deixar de ter o gostinho da cebola. Assim acontece com a música árabe que, quando bem apreciada, pode ter uma sonoridade inigualável e, acima de tudo, extremamente alegre e bem-disposta.
Apesar de nada perceber do que está a ser cantado, gosto de escutar o “Abdel Kader” interpretado por Khaled, Faudel e Rachid Taha. Os três artistas argelinos reuniram-se, pelos vistos, para um concerto memorável e transformaram aquela interpretação num fenómeno de popularidade em todo o mundo árabe. Assim eu pude constatar quando me desloquei ao Magrebe, ouvindo este tema na rádio por diversas vezes e apreciando as cantarolices dos guias que acompanhavam a excursão.
À chegada à Portugal, não resisti e fiz o download de algumas músicas árabes. Na imaginação, parece que se mistura com a areia do deserto, com os concorridos mercados e com as orações das mesquitas. Uma face bonita de cultura muçulmana que, num mundo cheio de problemas bisbilhoteiros e sem interesse, dá uma pitada de extravasamento de sensações de alegria.
Ainda hoje, às vezes mergulhado na Fnac, tenho por hábito ficar a ouvir algumas destas maravilhas sonoras do Magrebe.
Apesar de não ser a opinião generalizada das pessoas, devo dizer que tenho uma óptima opinião das gentes e da cultura muçulmana. Boa disposição, hospitalidade e muita alegria foram características que me ficaram na mente aquando da minha estadia no Magrebe.
Sexta-feira, 4 de Julho de 2008
Brasília
Decorria o ano de 1994 quando visitei Brasília. Da minha viagem ao Brasil fez parte uma pequena incursão pela capital, numa cidade que eu considerei acima de tudo tranquila.
Um pouco em contraponto com a paisagem solarenga e tentadora das terras de Vera Cruz, a cidade de Brasília reserva-nos um panorama de betão e cimento construído em cima de uma terra inóspita. Na capital, as pessoas parecem ser mais ordeiras, amenas, com uma dimensão de palavras que transcende o “bate-papo” tradicional de outras paragens.
Nas paredes, como que a decorando, as lembranças de Kubicek dão o toque presidencialista a um local repleto de diplomacia e organização. Ouvem-se menos buzinadelas, os espaços verdes conservam o chilrear dos pássaros. Neste oásis no deserto, em que o homem para o vago trouxe cada mordida de tijolo, o sol despede-se com um leve acenar…como que debicando uma picanha no braseiro.
Em Brasília o tempo conta-se. Há minutos, segundos, azáfama controlada em universos de circulação luminosa. Existe um europeísmo cosmopolita a brilhar mais que um sol que pede água de coco, batucadas e samba.